04 março 2007

Livro de mágoas


Ele batera com a porta e na vizinhança não se falava de outra coisa. Porque ela a todos se queixava do abandono e expunha na praça pública as suas mágoas e todo o género de intimidades que ninguém queria ouvir, em respeito pelo decoro e pela decência. Já diz o ditado que quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro e nessa ordem de ideias, uma mulher que não engole o desgosto e o nojo no mais fundo de si só pode ser uma ressabiada e uma vingativa que por suas mãos quer fazer justiça sem acreditar que esta aconteça por si própria ou por intervenção divina.

Mais a mais que a diferença de idades corria a desfavor dela, que ninguém acreditava que fosse por amor que ela se atracasse a tal velhadas e que, não desfazendo no senhor, era um roliço careca com uns fiapos oleosos a enfeitar, de flamejante pneu na cintura a esgaçar o botão do casaco e sem nada que à vista desarmada despertasse um pingo de sensualidade.

E depois, era conhecido que aqui há atrasado ela era puta com todas as letras e todas as partes do seu corpo, o que está bem de ver que é um serviço que não assegura credibilidade, não por ser uma conhecida fuga aos impostos mas porque nas hierarquias socialmente aceites lhe retira direitos como o de usar a palavra como todos os outros.

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